sexta-feira, 19 de abril de 2013

Homenagem a Lygia Fagundes Telles


            

Parte I : Antes do baile verde

Hoje a grande escritora Lygia Fagundes Telles faz 90 anos e não podia deixar de homenageá-la aqui no meu blog. Lygia tem romances memoráveis como Ciranda de pedra, Verão no aquário e As meninas.
            Comecei a ler a obra da escritora paulista pelos contos e meu livro preferido de Lygia é Antes do baile verde.
Já no primeiro conto desse livro chamado “Os objetos” aparecem o tema do amor e do ciúme e o final enigmático que caracterizam outras narrativas da coletânea. Os delírios e a insegurança do marido em relação aos sentimentos da esposa e levam o leitor a se perguntar será que ele vai simplesmente sair para comprar biscoitos ou vai se matar com a adaga comprada pelo casal? Para mim, não passa de blefe do homem, mas cabe a cada leitor dar a sua interpretação a esse conto de final aberto.
Na segunda narrativa, “Verde, lagarto, amarelo”, a trama gira em torno do escritor e leitor de Dostoievsky Rodolfo e a rivalidade deste com o irmão Eduardo num conto de final genial.
O terceiro conto, “Apenas um saxofone”, uma história sobre amor e perda, cuja protagonista é uma mulher rica, mas infeliz que troca de nome e  só queria ouvir de novo seu grande amor tocar saxofone.
O instrumento volta a aparecer em “O moço do saxofone”, um dos meus contos preferidos de Lygia, uma narrativa de amor, traição e música que se passa numa insólita pensão cheia de anões, que surpreende o leitor.
Em “Helga”, a protagonista usa uma perna mecânica e na narrativa Lygia trata do lado cruel e ambicioso  no ser humano.
No conto que dá  título ao livro, “Antes do baile verde”, a protagonista se prepara para ir ao baile de carnaval mesmo com o pai moribundo.
O conto “Caçada” me parece servir de exemplo de conto cujo fim pode ter várias interpretações, deixando dúvidas no leitor. O personagem do conto de Lygia fica fascinado por uma velha tapeçaria que retrata uma caçada. Como o leitor de um texto literário que se imagina no mundo ficcional criado pelo escritor, o homem se vê dentro da “tela”. Ao fim da narrativa deixa-se no ar que o homem foi atingido pela seta que ele vê na tapeçaria. Seria apenas imaginação do homem? Ou será que dentro do jogo ficcional e fantástico proposto por Lygia o homem se incorpora à tapeçaria que tanto o obceca e vira objeto de “caça”? Por que tal obra, mesmo quase aos pedaços, o encanta e ao mesmo tempo o perturba tanto? Como leitora, respondo afirmativamente à segunda pergunta, mas essa não me parece (e nem pode) ser a única leitura da bela narrativa de Lygia.
Na narrativa “A chave”, que trata de um relacionamento desgastado entre pessoas de idades diferentes, o final também me parece ambíguo: Thomas , insatisfeito com o casamento com uma mulher fútil, volta para a ex-mulher ou sonha que o fez?
No conto seguinte, “Meia-noite em ponto em Xangai” a protagonista é uma cantora lírica que tem preconceito com empregado chinês, numa narrativa cheia de mistério e tensão no fim, fazendo o leitor prender a respiração.
O mistério — marca de muitos contos de Lygia — também é predominante no conto “O jardim selvagem” com a figura enigmática e ambígua da cruel Daniela intrigando o leitor.
O conto “A janela” é construído com base nas lembranças e delírios de um homem que perdeu o filho. As belas descrições da roseira que encantava o rapaz morto suavizam o clima de tensão da narrativa.
No conto “Um chá bem forte e três xícaras”, a linda descrição de uma borboleta encanta o leitor com a narração de os preparativos para um chá.
No magistral “Natal na barca”, meu conto preferido de Lygia, a narradora viaja com um velho e a mãe de uma criança, que pode ser comparada a uma santa como Nossa Senhora por suportar as tragédias da vida. A atmosfera soturna e tensa da narrativa é oposta à alegria das celebrações de Natal e o final, inesperado.
No conto “A ceia”, o tema é o ciúme de mulher inconformada com a separação.
O ciúme também move a trama de “Venha ver o pôr do sol”. Dando um título romântico ao conto a autora subverte as expectativas do leitor com final aterrorizante.
Outro conto que tem como tema o ciúme é “As pérolas”, mas nessa narrativa o marido doente e enciumado é mais sutil que os personagens dos outros contos com essa temática.
No conto “Eu era mudo e só”, o narrador é um marido entediado e oprimido pelo casamento. Nessa narrativa o título remete à intertextualidade com o poeta português Guerra Junqueiro. No poema citado no conto o eu lírico também está se sentindo só e oprimido como o personagem de Lygia. Transcrevo abaixo a primeira estrofe do poema:

COSMOGÊNESE

Guerra Junqueiro

Eu era mudo e só na rocha de granito.

Por sobre a minha fronte a sombra do infinito,
Em volta a solidão,
Escuridão sem fim:
Negra como o terror, triste como Caim.
A abóbada celeste ameaçadora e bruta,
Tinha o ar concentrado, o ar de quem escuta.
A treva, espião de Deus, imensa, indefinida,
Vinha apagar a luz para espreitar a vida.
Sentia-se um olhar naquelas sombras mudas

Vale notar que o narrador do conto de Lygia não retrata um mundo negro como o do autor português, mas um mundo colorido, em que vive de aparência, o que não o faz feliz.
No último conto do livro, “O menino” um garoto esperto vai ao cinema com sua linda mãe e a trama surpreende o leitor.
Em todos os contos há uma certa tensão e o final enigmático ou surpreendente, que prende a atenção do leitor . Por isso, Antes do baile verde é um grande livro que revela a maestria de Lygia como escritora.

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