sexta-feira, 19 de abril de 2013

Continuação da homenagem a Lygia Fagundes Telles


Parte 2- Invenção e memória

Outro livro de contos de Lygia muito interessante é Invenção e memória. Nessa obra, usando a primeira pessoa, a escritora paulista trabalha a fronteira entre realidade, ficção e memória para tecer narrativas que, na maioria das vezes, enveredam pelo fantástico e pelo sobrenatural. Vou fazer comentários breves sobre alguns contos desse livro.
Na primeira narrativa, “Que se chama solidão” a narradora recorda as pajens que lhe contavam histórias de terror quando criança e que lhe inspiraram o gosto pelo gênero fantástico tão marcante na obra de Lygia.
No curioso “Suicídio na granja”, o leitor se depara com a bela amizade entre um galo e um ganso, num conto diferente sobre o tema do suicídio.
Na linda narrativa “Dança com o anjo”, a estudante de direito dança com um belo rapaz louro que a protege numa festa, mas não fica claro se a dança realmente aconteceu ou se tudo não passou de imaginação da narradora num momento lírico do livro, que encanta e surpreende o leitor.
Em “Cinema Gato Preto”, Lygia relembra a experiência de ver filmes de vampiro da era do cinema mudo num cinema do interior e analisa criticamente os filmes do gênero.
A figura do vampiro reaparece num dos mais belos e intrigantes contos do livro. Em “Potyra”, um estranho vampiro europeu conta a uma jovem sua vida agitada e fala de seu amor pela índia Potyra numa história criativa e fantástica em que Lygia trata de temas como o amor, a colonização da América, a violência.
No conto “Heffman”, Lygia relembra a livraria Jaraguá em São Paulo e se revela leitora de Faulkner, Dostoievsky e Jane Austen. A narradora do conto também fala de sua experiência no teatro amador numa narrativa bem interessante.
O mundo literário e o cinema  também entram em cena no conto “Rua Sabará, 400” em que Lygia trata da ambiguidade de Dom Casmurro ao adaptar o romance de Machado para o cinema com o marido e cineasta Paulo Emílio Salles.  A discussão sobre o enigma de Capitu e as memórias do convívio feliz com o segundo marido constroem uma deliciosa narrativa de tom familiar.
Em “Se és capaz”, Lygia dialoga com Kipling num conto em que o narrador ganha o poema “If ”do avô , mas sua em sua vida de político não consegue se portar com a virtude e coragem expressas pelo eu lírico do poema do escritor inglês. Nessa narrativa, que me fez conhecer a obra de Kipling, a escritora paulista aborda com ironia, amargura e  humor temas como a virtude, a corrupção, o casamento e a velhice.
Em outros contos como “O menino e o velho”, Lygia se aproxima do cotidiano ao narrar a história de um senhor que ajuda um menino de rua num conto de desfecho trágico.
Na narrativa “Dia de dizer não”, o cotidiano de São Paulo e suas mazelas como acidentes de transito e pedintes é rememorado num conto de crítica social e em que a autora paulista dialoga com Santo Agostinho.
No conto “A chave na porta”, a narradora consegue a carona de um amigo na noite de Natal num conto muito bem construído em que realidade e imaginação se misturam e o final da narrativa intriga o leitor.
É exatamente essa capacidade de entrelaçar ficção, imaginação e memória seja indo beber nas águas do fantástico, da literatura e do cotidiano com seu estilo inconfundível que mostra a maturidade da autora de As meninas e faz de Lygia Fagundes Telles uma das maiores escritoras da literatura brasileira.

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