segunda-feira, 18 de março de 2013

Resenha sobre Tenda dos milagres


Acabei de ler o romance Tenda dos milagres, de Jorge Amado. Nesta narrativa, Jorge Amado discute temas como a miscigenação racial, a intolerância racial e religiosa e exalta a cultura popular.
Pedro Archanjo, o protagonista do romance, é “um mulato, pobre. paisano”, poliglota e capoeira, pesquisador da cultura e das famílias baianas e mostra em um de seus livros que a sociedade brasileira é mestiça e funda com seu amigo, Lídio Corro, riscador de milagres e tipógrafo, a tenda dos milagres, centro do saber e da cultura popular baiana em Salvador.
O autor baiano constrói a narrativa em dois planos distintos.
No primeiro, é narrada em flashback a vida de Pedro Archanjo, seus vários amores, filhos e amigos, retratando um mundo vivo de capoeiras, tipógrafos e mães de santo e prostitutas nas primeiras quatro décadas do século XX.
No outro plano, em 1968, 25 anos depois da morte do protagonista, motivadas pela vinda do etnólogo americano Levenson ao Brasil para estudar a vida de Archanjo a imprensa baiana e a universidade ironicamente resolvem comemorar o centenário de nascimento do protagonista, ora exaltando, ora distorcendo  a figura do herói da narrativa.
Esse intricado jogo de tempo e espaço construído por Amado revela sua habilidade como romancista.
Além disso, nesse romance Amado denuncia a intolerância racial e religiosa já que os personagens Nilo Argolo e o delegado Pedrito Gordo perseguem Archanjo e o candomblé. O professor Argolo é adepto da teoria ariana e faz Archanjo perder o emprego na universidade de medicina e ser preso  por suas ideias sobre a mestiçagem cultural brasileira.  O personagem Tadeu Canhoto, um dos filhos de Archanjo e também mulato, é descriminado pela família da noiva Ludimila, moça loura e de olhos azuis.
Mas o preconceito não vence totalmente. Nilo Argolo morre. O delgado perde o cargo e é expulso do terreiro por Ogum, num dos episódios fantásticos e cômicos da narrativa. Tadeu e Ludmila conseguem se casar mesmo contra a vontade da família da moça. Tadeu, rapaz esforçado e formado em Engenharia, acaba representando o mestiço que luta contra o racismo para vencer na vida.
É muito interessante que Jorge Amado escreva esse romance em que retrata o caráter mestiço da sociedade brasileira com toques de fantástico em 1968, época em que estas questões culturais e raciais estavam em voga com o movimento pelos direitos civis dos negros nos EUA e durante a ditadura militar no Brasil. Vale notar que o fato de a peça sobre a vida de Archanjo a ser encenada pelo poeta Fausto Pena e seus colaboradores não sair do papel é uma metáfora da censura do regime militar. Além disso, um desses colaboradores dessa peça sobre a vida do protagonista é partidário dos Panteras Negras, movimento que pregava a separação entre brancos e negros nos EUA. Amado caricatura o personagem e luta exatamente contra essa mentalidade intolerante e prega a aceitação da mistura de raças. Foi um ato de coragem de Amado publicar esse romance, que é uma defesa da mestiçagem brasileira e da cultura popular, num período tão conturbado.


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