Acabei de ler o romance Tenda dos milagres, de Jorge Amado.
Nesta narrativa, Jorge Amado discute temas como a miscigenação racial, a intolerância
racial e religiosa e exalta a cultura popular.
Pedro Archanjo, o protagonista do
romance, é “um mulato, pobre. paisano”, poliglota e capoeira, pesquisador da
cultura e das famílias baianas e mostra em um de seus livros que a sociedade
brasileira é mestiça e funda com seu amigo, Lídio Corro, riscador de milagres e
tipógrafo, a tenda dos milagres, centro do saber e da cultura popular baiana em
Salvador.
O autor baiano constrói a
narrativa em dois planos distintos.
No primeiro, é narrada em flashback a vida de Pedro Archanjo,
seus vários amores, filhos e amigos, retratando um mundo vivo de capoeiras,
tipógrafos e mães de santo e prostitutas nas primeiras quatro décadas do século
XX.
No outro
plano, em 1968, 25 anos depois da morte do protagonista, motivadas pela vinda
do etnólogo americano Levenson ao Brasil para estudar a vida de Archanjo a
imprensa baiana e a universidade ironicamente resolvem comemorar o centenário
de nascimento do protagonista, ora exaltando, ora distorcendo a figura do herói da narrativa.
Esse intricado jogo de tempo e
espaço construído por Amado revela sua habilidade como romancista.
Além disso, nesse romance Amado
denuncia a intolerância racial e religiosa já que os personagens Nilo Argolo
e o delegado Pedrito Gordo perseguem Archanjo e o candomblé. O professor Argolo
é adepto da teoria ariana e faz Archanjo perder o emprego na universidade de
medicina e ser preso por suas ideias
sobre a mestiçagem cultural brasileira. O
personagem Tadeu Canhoto, um dos filhos de Archanjo e também mulato, é
descriminado pela família da noiva Ludimila, moça loura e de olhos azuis.
Mas o preconceito não vence
totalmente. Nilo Argolo morre. O delgado perde o cargo e é expulso do terreiro
por Ogum, num dos episódios fantásticos e cômicos da narrativa. Tadeu e Ludmila
conseguem se casar mesmo contra a vontade da família da moça. Tadeu, rapaz
esforçado e formado em Engenharia, acaba representando o mestiço que luta
contra o racismo para vencer na vida.
É muito interessante que Jorge
Amado escreva esse romance em que retrata o caráter mestiço da sociedade
brasileira com toques de fantástico em 1968, época em que estas questões
culturais e raciais estavam em voga com o movimento pelos direitos civis dos
negros nos EUA e durante a ditadura militar no Brasil. Vale notar que o fato de
a peça sobre a vida de Archanjo a ser encenada pelo poeta Fausto Pena e seus
colaboradores não sair do papel é uma metáfora da censura do regime militar. Além
disso, um desses colaboradores dessa peça sobre a vida do protagonista é
partidário dos Panteras Negras, movimento que pregava a separação entre brancos
e negros nos EUA. Amado caricatura o personagem e luta exatamente contra essa
mentalidade intolerante e prega a aceitação da mistura de raças. Foi um ato de
coragem de Amado publicar esse romance, que é uma defesa da mestiçagem brasileira
e da cultura popular, num período tão conturbado.
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