segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Dia D -- Drummond: poemas e leituras marcantes

Gostei muito da ideia de tornar o dia 31 de outubro num Dia D com homenagens mais do que justas ao poeta Carlos Drummond de Andrade. Como infelizmente acabei não podendo comparecer a nenhum dos eventos em homenagem ao Drummond realizados no Rio resolvi escrever esse texto sobre o grande escritor mineiro aqui no meu blog.
Embora meu primeiro contato com a obra de Drummond tenha se dado pelos contos e o livro Contos de aprendiz tenha sido impactante na minha adolescência, vou tratar aqui dos poemas drummondianos, tentando destacar alguns dos que mais me marcaram, sem pretender fazer uma análise exaustiva de todos os aspectos e temas da poesia multifacetada e complexa de Drummond.
O poema de Drummond de que mais gosto é “Infância”, já que me interesso por textos que tenham personagens leitores. Nesse poema ,o eu lírico relembra uma cena familiar de uma vida rural e monótona em que um menino ''ilhado'' e de certa forma solitário lê as aventuras de Robson Crusoé para tentar vencer esse tédio e compara sua vida a do personagem de Defoe. O poema é escrito em primeira pessoa, mas sem ser confessional.
Outro poema de Drummond em que o tema da leitura aparece (desta vez de forma central) é “A biblioteca verde”. Nesse poema, um menino pede que o pai lhe compre a Biblioteca Internacional de Obras Célebres, ficando completamente fascinado pelos livros, acaricia as capas dos volumes que a compõem e demora a dormir mesmo que criticado pela família:

Mas leio, leio... Em filosofias tropeço e caio,

cavalgo de novo meu verde livro,

em cavalarias me perco, medievo;

em contos, poemas me vejo viver

(Carlos Drummond de Andrade , In: Oliveira & Santos, 2009, p.7)

O menino do poema se identifica com o que lê, se encanta com a mitologia e com a filosofia e com as aventuras dessa biblioteca que lhe abre as portas para o saber, mesmo que essa leitura apresente dificuldades.
Drummond também trata da questão das leituras de um poeta no poema “Consideração do poema”, que abre o livro A rosa do povo. Nesse poema, Drummond aborda o fazer poético— um de seus temas principais. Nele , Drummond ironiza a necessidade clássica de rimar os versos. Cita com humor vários poetas: Vínicius, Murilo Mendes, Neruda e Maiakoviski , que devia ler para amenizar os anos difíceis da Segunda Guerra Mundial, além de discutir a perenidade da poesia.

Nesse mesmo livro há outro poema emblemático para a concepção drummondiana de poesia: “A procura da poesia”. Para Drummond, o vital não são os acontecimentos, os sentimentos, os objetos, o passado em si: o que importa é como o poeta lida com as palavras:


Penetra surdamente no reino das palavras.

Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

Estão paralisados, mas não há desespero,

há calma e frescura na superfície intata.

Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.



Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.

Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.

Espera que cada um se realize e consuma

com seu poder de palavra

e seu poder de silêncio.
(Carlos Drummond de Andrade, Antologia poética, 1998, p. 186)


Essa dificuldade em lidar com as palavras é o tema de outro poema que adoro: “O lutador”. Lembro até hoje do impacto de ter lido esse poema ainda na graduação em Letras da PUC-Rio, de ver que Drummond trata tão bem das dificuldades da escrita e do fazer poético.

Mas apesar dessas dificuldades, dessa ''pedra no meio do caminho", Drummond persiste e se torna o maior poeta da literatura brasileira e expressa seus sentimentos com um lirismo não exacerbado e reflexivo, como observa Davi Arrigucci Jr. no livro Coração partido.

Na primeira parte desse livro, Arrigucci faz uma bela análise de “Poema de sete faces”, texto em que Drummond expressa seu desconcerto em relação ao mundo e aproxima a poesia do cotidiano, usando uma mistura de ironia , tom bíblico (no início e no meio do poema) e linguagem coloquial no final. Cito os primeiros versos:
Quando nasci um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse vai Carlos ser gauche na vida
.

Outro poema emblemático de Drummond que expressa a perplexidade moderna em relação ao mundo é “José”. Sempre que leio esse poema fico impressionada com a desilusão e o desconcerto do eu lírico nesse poema magistral em que tudo parece estar fora do lugar no mundo em guerra e sem liberdade e sem sentido em que vive, mas mesmo assim ele persiste, ama, protesta.

Outra característica da poesia de Drummond que destaco é a capacidade do poeta em lidar com o cotidiano e com o presente. Essa preocupação está expressa em poemas como “Mãos dadas”. Ressalto que o poeta também trata da sua infância e da memória em vários poemas, tema de que pretendo tratar de modo mais aprofundado em outro texto. Exemplos dessa aproximação entre o poema e o cotidiano são: “Construção”, “O caso do vestido”, “A morte do leiteiro”. Vale ressaltar que esses últimos demonstram a capacidade de Drummond em transformar narrativas em poemas, o que sempre me fascinou no poeta mineiro.

A maestria com que Drummond lida com a linguagem poética apesar das dificuldades de seu ofício é algo que se destaca em qualquer tema tratado pelo autor: a infância, a poesia, a leitura, o tempo presente, a perplexidade diante do mundo, o amor (tema de que também tratarei em outro texto) e ajuda a torná-lo um autor universal.

Referências bibliográficas:
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. 40ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.
————————————. .A rosa do povo. 17ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1996.
————————————. Sentimento do mundo . 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1993.
ARRIGUCCI Jr, Davi. Coração partido--  Uma análise da poesia reflexiva de Drummond. São Paulo: Cossac & Naify, 2002.
OLIVEIRA , Edileusa Santos & SANTOS, Ana Elizabeth Alves.  A inutilidade dos lugares de memória: a “Biblioteca Verde” de Carlos Drummond de Andrade. Revista Espaço Acadêmico, nº 96, maio de 2009. Disponível em:

Acesso em outubro de 2011.


2 comentários: